Botequim, Boêmia e Tradição: A Trajetória de um Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro
Quando o Bar Luiz foi fundado, em 3 de Janeiro de 1887, Dom Pedro II era o Imperador do Brasil. A cidade do Rio de Janeiro era capital do Império e tinha a pretensão de ser uma Corte moderna, à imagem e semelhança das principais capitais européias. Paris era referência mundial de cultura e civilização e os cariocas incorporavam os hábitos e costumes da capital francesa, dentre eles a prática de se consumir bebida em mesas dispostas pela calçada.
Na capital brasileira, avolumava-se o número de Cafés e Confeitarias que reproduziam o costume francês, servindo cerveja e vinho como carro chefe. O estilo e a elegância destas indicavam o perfil do público que as freqüentavam. Como opção para o consumo de bebidas nas ruas da cidade, encontravam-se casas de “secos e molhados” que serviam bebidas no balcão, além de Botequins e Bares, basicamente com a mesma clientela.
O início da tradição – Jacob Wendling abre na Rua da Assembléia o “Zum Schlauch”, futuro Bar Luiz, tencionando servir cerveja aos apaixonados pela bebida de todas as classes.
Quando Jacob Wendling, filho de suíços nascido em Petrópolis, abriu seu estabelecimento na Rua da Assembléia nº 102, tencionava que o seu bar, que na época atendia pelo nome de “Zum Schlauch”, pudesse servir cerveja aos apaixonados pela bebida de todas as classes, embutindo um perfil democrático ao seu estabelecimento.
Com a abertura da primeira cervejaria do Rio de Janeiro (provavelmente do Brasil), e graças a um bem sucedido acordo comercial, Jacob Wendling iniciou, um ano depois da abertura de sua casa, a comercialização da cerveja em sua forma crua, ou seja, o Chope. A tradução do nome alemão “Zum Schlauch” pode ser “A Mangueira”, ou “A Serpentina”, indicando o local por onde passa o chope antes de ser servido ao cliente.
O “Zum Schlauch” adquiriu uma relativa fama com a comercialização do chope, e por esta época, o velho Jacob trouxe para trabalhar com ele seu afilhado, Adolf Rumjaneck, um rapaz ativo que em pouco tempo se tornou conhecido pela clientela devido, principalmente, ao seu talento nato na queda de braço, esporte que praticava em uma mesa de mármore nos fundos do Bar. Adolf utilizava-se de seus dotes esportivos para introduzir o costume pelo consumo de chope: disputava na queda de braço com quem não quisesse beber o principal produto da casa e, em caso de vitória, o freguês podia beber o que quisesse por conta da casa, caso contrário teria que beber o chope e ainda pagar a conta.
Em 1901 dificuldades no acerto do novo contrato de aluguel fizeram com que o bar mudasse de endereço, da Rua da Assembléia nº 102, para a Rua da Assembléia nº 105. A clientela fiel acompanhou a mudança, que aconteceu no mesmo ritmo em que a popularidade do bar crescia, muito em função do carisma de Adolf junto ao público. Esta mudança foi acompanhada pela troca de nome do estabelecimento para “Zum Alten Jacob”, uma homenagem “Ao Velho Jacob” que cada vez mais se afastava da direção do bar.
Dois anos após a fundação do bar o Brasil deixava de ser Império para virar uma República. O presidencialismo e as idéias liberais que permeavam o novo regime refletiam o ideal político e ideológico desta nova época: seguindo o modelo da Revolução Francesa e do movimento de Independência Americana, o Brasil Republicano pretendia se equivaler a essas modernas nações. A forma mais visível desta nova postura foi a intervenção direta na realidade física da Capital da República, através de obras e reformas que mudaram radicalmente a aparência do centro da cidade.
O passado de colônia portuguesa deveria ser superado e apagado. O Rio de Janeiro, de traços e ruas provincianas que remontavam ao período colonial passou a sofrer drásticas intervenções urbanísticas, como a demolição e destruição de dezenas de ruas e casas, igrejas e prédios públicos. A construção da avenida Central (hoje Rio Branco) rasgando o coração da cidade e a demolição do Morro do Castelo – marco da fundação da cidade e local onde foi instalada sua primeira igreja – foram algumas das mudanças mais marcantes do período.
A paisagem da cidade se modificou, bem como o espírito do carioca. A cidade se enchia de vigor com as mudanças. Nossa intelectualidade – composta de jornalistas, escritores, políticos e demais homens de letras – tornaram-se verdadeiros habituès dos cafés e confeitarias da cidade. Na Lapa, a malandragem e os capoeiras conquistavam espaço e renome. Era a insurgência da Boêmia. O período conhecido como Belle Époque carioca ficou marcado pelo embelezamento da cidade e pelo surgimento de uma cultura típica: a cidade civilizava-se, enaltecida em verso e prosa. É o Rio de Janeiro de Machado de Assis e João do Rio, escritores que eternizaram o período e o imaginário sobre a urbe carioca através de seus personagens e relatos.